Vida Familiar

por Clarice Ebert
Psicóloga (CRP08/14038) e Terapeuta Familiar

A Família

A família é o berço que embala os filhos para a vida, e assim sendo deixa suas marcas. A constituição da identidade se inicia na família, porque nela estão as primeiras pessoas da rede de relações com as quais uma pessoa estabelece interação. A família é quem promove a noção de individualidade, de pertencimento, de diferenciação e o processo de socialização. O pertencimento confere segurança e estabilidade. A diferenciação promove a individualidade, num reconhecimento das diferenças entre o eu e outro. A socialização favorece a inserção em sistemas extrafamiliares.

As marcas da família no desenvolvimento psicossocial

O terapeuta familiar e pesquisador Minuchin * nos ensina que na medida em que é requerida maior flexibilidade e adaptabilidade dos membros de uma sociedade, a família se torna cada vez mais significativa, sendo a matriz do desenvolvimento psicossocial. Para o autor

“Somente a família, a menor unidade da sociedade, pode mudar e, apesar disso, manter suficiente continuidade para criar filhos que não serão ‘estrangeiros numa terra estranha’, que estarão firmemente enraizados, o suficiente para crescerem e se adaptarem” (p.53).

O autor enfatiza ainda que a tarefa psicossocial da família se tornou mais importante do que nunca, especialmente pela importante função de promover a proteção psicossocial de seus membros.

As marcas da família no sentido de pertencimento

A família é o nosso núcleo básico de pertencimento, sendo o nosso primeiro laboratório social. Com nossos pais, avós e tios aprendemos a nos relacionar com figuras de autoridade e com nossos irmãos e primos aprendemos a nos relacionar com nossos iguais. Esses aprendizados nos acompanharão em todo o ciclo da vida da família e também em contextos extrafamiliares.

As marcas da família e suas ressignificações

A vida familiar pode ser uma bênção, mas também pode ser um amargo palco de maldições. Somos todos filhos (as) de nossos pais e para seguirmos como adultos precisamos levar as bênçãos de nossa casa materno/paterna, mas é preciso também desvincular das maldições. As marcas da família precisam passar por elaborações e ressignificações. Devemos ser gratos pelo que recebemos e que nos construiu como pessoas, ao mesmo tempo em que precisamos perdoar aquilo que nos traumatizou e que mantém nossas emoções intoxicadas ou congeladas no tempo, prejudicando o desenvolvimento do nosso potencial. Caso contrário é possível que em cada situação atual se atualizem nossas emoções infantis não resolvidas.

As marcas da família pelas imperfeições dos nossos pais

Geralmente o retrato de pai e mãe nos mostra uma figura envolta de sabedoria, inteligência, equilíbrio, amor, carinho, cuidado, abnegação, responsabilidade etc. Muitas vezes é assim, mas nem sempre. Pais e mães são humanos e como tais por vezes são inseguros, ríspidos, insensatos, impacientes etc. Não há pai e mãe perfeitos, todos erram e deixam suas marcas na família por meio de suas imperfeições. Por melhor que tenha sido a convivência com nossos pais, alguma lacuna vai ficar. A vida virá com novos desafios para novos aprendizados. É preciso compreender que os pais não são os únicos responsáveis por todas as mazelas da vida. Da mesma forma também não são os únicos responsáveis por todas as alegrias e sucessos da vida.

As marcas da família podem ser perdoadas

Para podermos seguir melhor no curso da vida é preciso perdoar. Caso contrário é possível ficar refém das expectativas de cuidado não atendidas por nossos pais/mães. Apenas transferimos essas expectativas para novas pessoas, que podem ser o cônjuge, os filhos, os amigos. É importante lembrar que no decorrer do desenvolvimento não somos meros expectadores e receptáculos do que nossos pais nos dizem ou fazem, pois assumimos também um papel atuante em contínua interação com os pais e também com outras pessoas nos diversos contextos nos quais crescemos, ou seja, somos participantes do processo.

As marcas da família e a nossa responsabilidade

A nossa participação no processo de desenvolvimento nos chama à responsabilidade diante dos desafios que a vida nos apresenta. Mesmo que tenham sido vivenciadas situações traumáticas em alguma fase da vida em que não havia força, nem autonomia para mudar os impasses negativos e que suas consequências ainda são sentidas intensamente na fase atual, isso não significa uma determinação de fracasso até o fim da vida. Apesar de não podermos mudar em nada o nosso passado e nem desfazer os males que nos foram imputados na infância, ou em qualquer outra fase da vida, podemos mudar assumindo novas posturas, “consertar” e reconquistar a integridade perdida a partir do tempo atual que estamos vivendo.** E assim, podemos conviver harmoniosamente com nossa história e caminhar amadurecendo na medida em que avançamos.


*Minuchin, S (1982). Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas.

**Miller, Alice. O drama da criança bem dotada. São Paulo: Summus, 1997.

22 set 2020, às 10h00. Atualizado às 11h11.
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