Felipe Gabriel é difícil de ser resumido. Ele é um atacante de 25 anos e mais conhecido pelas produções artísticas na Letônia, país da Europa.

O jogador é rapper, modelo e ator de cinema. Aprendeu o idioma letão e foi o primeiro artista negro a fazer rimas por lá:

“Bom, rap é arte. Futebol também. Então eu me considero um artista (risos). Ator, jogador, modelo, rapper. Hoje em dia trabalho com tudo isso”, contou Felipe, em entrevista à Gazeta Esportiva.

Felipe Gabriel jogou na base do Cotia e Matonense e atuou por AFA Olaine, RTU, FK Progress e Albatroz SC, todos da segunda divisão da Letônia. Ele está livre no mercado e aguarda pelos desdobramentos da pandemia do novo coronavírus.

Confira a entrevista completa abaixo:

Cara, antes de você falar sobre tudo que aconteceu e acontece na Letônia. Como foi seu início no Brasil e como foi parar nesse país?

“Meu início foi no futebol society, no “Chute Inicial Corinthians”. No futebol de campo eu comecei tarde, com 12 anos, no Clube Pequeninos do Jockey em 2007. Joguei por cinco anos e, aos 16, tive a felicidade de realizar meu sonho de sair do Brasil e disputar um torneio com eles na Europa. Jogamos a Helsinki Cup (Finlândia), Gothia Cup (Suécia, o maior campeonato juvenil organizado pela Fifa), Dana Cup (Dinamarca), Norway Cup (Noruega) e Sander Cup (Noruega). Depois dessa viagem e experiência incrível que tive, a minha vontade de morar e jogar na Europa só aumentou. Voltei para lá em 2012, joguei os mesmos campeonatos e um olheiro do Arsenal ficou interessado, mas como eu e outros alvos éramos menores de idade, o combinado foi de conversar com as famílias e isso nunca ocorreu. Um ano se passou e eu fiz um teste no COTIA FC, fui aprovado e federado para jogar o Paulista Sub-20. Fui pouco utilizado e em 2014 me transferi para a Matonense. Joguei meia temporada, mas não estava feliz vivendo em Matão. Na época, no mês de abril, um amigo que jogava na terceira divisão da Letônia me chamou. Entre jogar na terceira divisão da Letônia e ficar no interior paulista, escolhi a Matonense, mas um mês depois meu melhor amigo foi atropelado e morreu no Brasil. Esse foi o gatilho para eu querer viver a vida na Europa, porque esse também era o sonho desse meu amigo. Vim para a Letônia, em primeiro de agosto de 2014. Joguei por um mês e surgiu a oportunidade no Deportivo Silva, na terceira divisão da Espanha. Morei por dois meses, mas tive problema de visto e voltei para o Brasil. Por fim, em janeiro de 2015, recebi a proposta do AFA Olaine e comecei a morar e jogar na segunda divisão do Campeonato Letão”.

Como é o futebol na Letônia e como o país tem vivido a pandemia?

“Futebol está parado, mas é muito diferente do Brasil. É difícil de se adaptar, tem que estar fisicamente bem preparado, num futebol mais de força que habilidade. E por conta do frio é muito fácil se lesionar. Sobre o coronavírus, temos cerca de 350 casos e a expectativa é da quarentena acabar dia 9 de junho”.

Você, em meio a tantas atividades, segue como atleta ou vislumbra mais a carreira de artista neste momento?

“Os dois, mas por conta da quarentena tive que dar uma pausa na vida de atleta. Não vejo a hora de voltar aos gramados. O inverno na Letônia tem o futsal também. Comecei a jogar em 2019 e tenho planos de me naturalizar e jogar pela seleção da Letônia”.

Conte mais da sua música que bateu 1 milhão de views… Como ela surgiu?

“A minha música foi uma brincadeira. Eu tenho um dom de improvisar, sempre brinco improvisando em português, inglês, russo, letão e espanhol. Escuto muito rap desde criança, meus amigos brincam que se eu tivesse investido no rap ou no funk no Brasil hoje em dia eu estaria milionário, mas Deus sabe o que faz. Um dia eu estava improvisando com meus amigos em letão, e eles falaram pra eu por no papel. No dia seguinte eu tinha jogo em uma cidade longe da minha, no caminho eu comecei a escrever as rimas, mostrei para os meus amigos e depois fomos gravar. Era uma brincadeira, fizemos um videoclipe e acabou sendo o vídeo mais assistido na Letônia no primeiro mês. Toda minha fama começou com essa música”.

E como foi aprender letão? Sente que seu sucesso em diferentes aspectos é uma forma diária de combater o racismo?

“Sou o primeiro negro a escrever música e fazer vídeos no Youtube em letão. Acho que negros falando letão são menos de 10. Eu mudei a forma de pensar aqui na Letônia. Com meus argumentos e carisma brasileiro ganhei o público. Estar na TV, nos outdoors, rádio, propaganda… Abriu porta não só para os negros, mas para os estrangeiros. Os letões começaram a aceitar os estrangeiros, sem contar que tenho meu projeto de caridade e com as crianças contra o alcoolismo, cigarro e drogas, provando que o estrangeiro não vem para a Letônia só por causa de festa, bebida barata e meninas bonitas”.

Felipe Gabriel é atacante, mas faz sucesso de diversas formas na Letônia (Foto: Divulgação)

Como é o racismo na Letônia? É latente?

“A diferença do racismo do Brasil e da Letônia é que no Brasil temos história. Negro tem história e infelizmente negro ainda é visto como ladrão, como pobre, como favelado, então meus casos no brasil eram mais discretos. As pessoas terem medo, mudar de lugar no ônibus, atravessar a rua, comentários ofensivos, olhar de cima em baixo quando entrava em algum estabelecimento, polícia enquadrando toda hora, mas aqui negro não tem história. A história está sendo escrita agora e sendo escrita como bom exemplo. Eu sempre trato todos bem, com alegria. Sempre faço as coisas corretas, porque a maioria me vê como um exemplo e a impressão que eu deixo vai ser a impressão que eles vão ter dos outros negros e dos brasileiros”.

Como surgiu o papel no cinema?

“A proposta do cinema veio inesperadamente, na época que eu virei garoto propaganda da Sprite. A Letônia toda estava com a minha cara nas ruas, então era impossível sair de casa e não ver meu rosto. Todos falavam sobre isso e a maior agência da Lituânia estava procurando por negros que falam lituano e não acharam nenhum. Como Letônia e Lituânia são considerados irmãos, mas falam línguas diferentes, ficaram sabendo de um negro que falava letão e fazia sucesso na internet. Recebi a proposta e perguntaram se eu aprenderia lituano em um mês. Algo impossível, mas topei o desafio. Foram dois meses difíceis, era a língua e aprender a atuar, mas deu tudo certo. Filme foi um sucesso e me tornei o primeiro ator negro na história da Lituânia. Conquistei dois países bálticos, agora só falta a Estônia (risos)”.

Como você consegue aliar tantas atividades?

“Não sei responder essa pergunta. É complicado porque não dá para focar 100% em tudo. Tenho ajuda por ser único e não corro risco das pessoas escolherem outro. Consigo agendar tudo de acordo com meu tempo. Com a quarentena consigo descansar, refletir e me preparar para o futuro”.

Acha que a sua fama é benéfica ou prejudicial falando apenas da carreira no futebol? Os times da primeira divisão podem não ter te olhado por conta disso?

“Infelizmente prejudica, tenho contrato com a Coyote Fly (a maior balada da Letônia. Basicamente sou pago para ir na balada e fazer story no Instagram. O times da segunda divisão entendem porque eles não tem condição de pagar mais do que a balada me paga e eu consigo conciliar os dois, mas por estar na balada e sempre estar com jogadores e celebridades locais, é difícil ficar fora da mídia. Muitos dos técnicos dos de times grandes da primeira divisão já falaram que gostariam que eu jogasse por eles, mas a minha reputação, e por fazer shows de madrugada também, atrapalha a imagem com de qualquer time que está tentando ir para a Euro League”.

Como é sua rotina hoje? Tente contar do momento que acorda até quando vai dormir…

“Por conta da quarentena fico o máximo possível em casa. Tenho meus equipamentos para fazer exercícios e tento aprender coisas novas. Hoje, por exemplo, estudei um pouco de francês e de japonês (próximas línguas que quero aprender). Acompanho também as notícias do coronavírus no Brasil. Meu objetivo é sair na frente de todos depois dessa quarentena”.

Você tem patrocinadores? A diferença financeira entre seu trabalho de jogador e de artista é muito grande?

“Sim, nesse momento sou a cara oficial da Adidas, Redbull, Pringles e um posto de gasolina chamado “Viada”, que se tornou piada entre meus amigos no Brasil”.

Você analisa propostas neste momento? Sabe o que vai fazer no segundo semestre?

“Estou pensando em me naturalizar ou não. Estou tentando manter as duas cidadanias e não quero perder o passaporte brasileiro. Sempre quis jogar na Seleção, mas sou realista e sei que não vou chegar na brasileira, mas sei que pelo menos na de futsal da Letônia tenho condições”.

Você vem com frequência ao Brasil? Pretende ficar de vez na Letônia?

“Vou para o Brasil uma vez por ano e fico geralmente de dezembro a fevereiro. Por enquanto não tenho planos de voltar par o Brasil, quero ficar um ano nos Estados Unidos”.

Quais são seus sonhos? O que ainda pretende fazer nos campos e fora deles?

“Como modelo desfilar na Paris Fashio Week ou New York Fashion Week. Como ator atuar na Netflix. E como jogador o mais real é a seleção da Letônia”.

26 maio 2020, às 00h00.
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