Tema de filme, Luiz Carlos Barreto enfrenta perdas, mas não perde o entusiasmo

Aos 91 anos – nasceu em Sobral, no Ceará, em 1928 -, o produtor Luiz Carlos Barreto vive uma fase de homenagens. Com a mulher, Lucy, chegou a abrir mão de uma, no Festival Aruanda, devido ao luto provocado pela morte do filho, Fábio. Uma editora quer publicar um livro sobre ele, e Barretão, como é chamado, gostaria que fosse uma série, para dar conta de suas múltiplas atividades – foi jogador, fotógrafo, produtor e será sempre homem de família. O livro ainda vai sair, mas já existe um filme, lançado na Mostra e apresentado no Festival do Rio. Barretão resulta de duas sessões de cinco horas de entrevistas cada, feitas em 2015 por Geneton Moraes Neto, com roteiro de Marcelo Santiago e dele. Armaram um cenário simples – um sofá no meio de trilhos para que a câmera operada por Walter Carvalho pudesse circular ao redor.

Geneton morreu em 2016, Santiago concluiu o projeto. Somadas as imagens de arquivo – muitas delas de um documentário francês sobre o Cinema Novo -, o material ultrapassa os 600 minutos, mas um rigoroso trabalho de edição fez uma drástica redução para 85 minutos. Seria um filme conceitual – Barretão por ele mesmo -, se não fosse um prólogo com cabeças falantes, que dão seu depoimento sobre ele. A ideia da distribuidora Pagu é lançar Barretão nos cinemas, depois na TV. Ficou para 2020. No último dia do Festival do Rio, 19 de dezembro, a reportagem do Estado encontrou-se com Luiz Carlos Barreto no escritório de sua produtora, em Botafogo, para falar do filme, e sobre sua vida e obra.

Sobre a vinda para o Rio. Era uma liderança jovem do Partido Comunista em Fortaleza. Escrevia o jornal do partido, mas quando a chapa esquentou por lá, a família e os dirigentes me mandaram para o Rio. A situação não estava melhor por aqui. Como já jogava futebol, fui fazer teste no Flamengo, que permanece como meu time do coração. Joguei no juvenil. (Barreto fala e na parede tem o retrato dele com a filha, Paula, e o genro, o ex-jogador Cláudio Adão, todos com a camisa do ‘Mengão’). Jogava bem, podia ter seguido carreira. Um dia, fomos eu e o Sansão, que virou juiz de futebol, fazer teste no Canto do Rio, que era um time bom, mas em Niterói. Nos deram uma canseira de horas, fazendo esperar. Fizemos nossa desfeita. Urinamos nas taças do time, que estavam de exposição na sala. Minha grande carreira no futebol terminou, mas permaneço Flamengo. Sabe como é – Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer.

Fotógrafo de revista

Fui ser fotógrafo nas revistas do (Assis) Chateubriand. O Cruzeiro tinha todos aqueles grandes fotógrafos. O Chatô pagava salários milionários, que hoje mais pareceriam de jogadores de futebol. Formava duplas. Indalécio Vanderlei e eu. Viajamos o Brasil. Fizemos reportagens memoráveis. Na Bahia fui fotografar um set de filmagem. Era o de Barravento. Conheci o Glauber (Rocha). Quando veio para o Rio, para o Nelson (Pereira dos Santos) montar o filme, Glauber foi jantar lá em casa. E me apresentou o Nelson, que ia fazer o Vidas Secas.

Sobre ‘Vidas Secas’

No Cruzeiro, José Medeiros dizia que a gente era da escola da lente nua. Ainda não conhecíamos o Cartier-Bresson e já fotografávamos como ele. Eu disse que não entendia de cinema, mas o Nelson resolveu testar. Decidiu que íamos fazer o filme de dois jeitos. Do tradicional, com filtros e rebatedores, e com um fotógrafo profissional da área, o José Rosa, e do meu, sem nada daquilo. Diziam que não ia imprimir.

Filmamos no sertão de Alagoas. Naquele tempo tinha um voo semanal para o Rio. Uma semana para vir, uma para revelar, outra para voltar. E a gente filmando dos dois jeitos. Quando viu o material, num cinema de Maceió, Nelson decidiu que queria só do meu jeito, o mínimo de iluminação, o diafragma pela luz do rosto, todo o fundo estourado. Mas aí houve um problema grande. Uma cena de fogueira. Teria de fazer fake, com tiras de papel, vento e luzes. Fui contra. Filmamos e mandamos para revelar. Não tinha imprimido nada. E agora? Vim ao Rio, e o problema não estava na filmagem, mas na revelação. No laboratório, não sabiam revelar daquele jeito. Revelei, e a fotografia de Vidas Secas fez história.

Casamento

Casei com a Lucy em Paris, em 1954. Já fizemos bodas de Prata, de Ouro, de Diamante. Dizem que sou Barretão, mas a generala da banda é ela. Conheci-a quando fomos, o Indalécio e eu, fotografar uma Miss Brasil na casa dela, em Goiás. A mãe da Lucy dava uma recepção, a Miss era bonita, mas só tivemos olhos, Indalécio e eu, para a Lucy e a irmã dela. Botamos as duas na revista. Lucy era pianista. Ganhou uma bolsa e foi estudar em Paris. Eu terminei indo atrás. Casamos lá.

Poder. Como fotógrafo e homem de cinema, vivi muito a história política e cultural brasileira. Conheci todos os presidentes, desde o Getúlio (Vargas), que dividia uma amante com o Chatô, todo mundo sabia. Getúlio pagou caro por criar a Petrobrás. O JK fotografei quando estava no exílio, a que foi forçado pelo golpe militar. O Castelo (Branco) fui pautado para fotografar com o presidente Charles De Gaulle, quando esteve no Brasil. Castelo era pequeninho, De Gaulle era um gigante de mais de 2 metros. A segurança me tirou dali com brutalidade. Golbery era o que Glauber chamava de gênio da raça. Tinha uma ligação forte com Geisel. Eram homens duros, mas sabiam da importância da cultura, e do cinema, na afirmação da identidade nacional.

Inclusive, foi o Geisel que elaborou, em 1976, uma taxa, a Condecine, que foi incorporada em 2015 pela lei 12485, que passou a cobrar o setor de telefonia, por ser também exibidor de imagem. Essa contribuição dá mais de R$ 1 bi por ano e com base nela foi criado o Fundo Setorial do Audiovisual, que é apenas uma sigla, sem personalidade jurídica nem CNPJ, mas o fundo, pago por produtores, exibidores, telefonias, etc, tem função específica. Só pode ser aplicado em audiovisual. Se não for assim, extingue-se, não vai para nenhuma pasta. É um dinheiro que se perde, de uma categoria que está sendo asfixiada e que gera empregos, paga impostos. Isso precisa ser normatizado sem preconceito ideológico, pelo bem do setor.

Sobre o filho

Fiz o filme do Lula com o Fábio (Barreto) e depois houve tudo aquilo. Muita pressão contra, o Fábio sofreu o acidente, ficou em coma por quase dez anos, até morrer. Foi tudo muito sofrido, mas não me arrependo do filme. E a gente nunca perdeu a esperança de ter o Fábio de volta. Ele estava ali, mas não era ele. É preciso muita força para enfrentar uma coisa dessas, e a família se manteve solidária, unida. Foi uma prova para todos.

Sobre filmes favoritos. Produzimos ou coproduzimos, na LC Barreto, cerca de 80 filmes, e sempre com a crença de que o melhor não é o último, será o próximo. Alguns se tornaram clássicos – O Assalto ao Trem Pagador, Vidas Secas, Terra em Transe, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Memórias do Cárcere, Bye-Bye Brasil. Dois foram para o Oscar – O Quatrilho, dirigido pelo Fábio, e O Que É Isso, Companheiro?, pelo Bruno (Barreto), meus dois filhos. Não tenho melhor, gosto de todos.

Sobre o atual governo. Tenta criminalizar a atividade, e isso não está certo. Ameaça com censura, e também não está certo. A liberdade é assegurada pela Constituição. A indicação do André (Sturm) para a secretaria do Audiovisual é positiva. Aponta para possibilidade de diálogo. André une todas as pontas. É produtor, diretor, distribuidor, exibidor. Outro aspecto positivo é que o presidente (Bolsonaro) cumpriu a lei ao assinar a cota de tela, num gesto que foi bem recebido pela classe. Mas em seguida, contraditoriamente, ele vetou as fontes de financiamento da produção audiovisual. Como o mercado vai cumprir a cota de tela, sem recursos para a produção?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

31 dez 2019, às 00h00.

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