Fernando Brant é celebrado em disco com grandes nomes da música brasileira

Fernando Brant acompanhava a produção de um disco que iria celebrar, em 2017, seus 50 anos de carreira, com releituras de canções que fez. A maioria composta ao lado de Milton Nascimento, amigo de juventude que o convenceu a colocar palavras na melodia de Travessia, segundo lugar do Festival Internacional da Canção de 1967. Até então, Fernando nunca tinha escrito uma letra.

A ideia do álbum foi conduzida por Robertinho Brant, músico e sobrinho de Fernando. Os dois conversavam sobre as músicas e quem poderia interpretá-las. Em 2015, no meio do processo, Fernando morreu. Tinha 68 anos e foi vítima de complicações após uma cirurgia de transplante de fígado.

Cinco anos depois do início da produção, o álbum finalmente vem à luz pela gravadora Biscoito Fino. Vendedor de Sonhos traz 20 faixas, 16 delas também assinadas por Milton, com interpretações de grandes nomes da música brasileira. Boa parte deles já havia dado voz a canções célebres de Fernando, enquanto outros gravam o compositor pela primeira vez.

Autor de mais de 300 músicas, Fernando nasceu em Caldas, cidade do sul de Minas, e esteve na linha de frente do Clube da Esquina. Ele escreveu letras de alta costura poética que retratavam a situação política do País durante a ditadura militar. Por conta disso, o repertório de Vendedor de Sonhos se concentra em músicas lançadas entre 1967 e 1987, ano em que o poder já estava nas mãos dos civis. “Fernando fez uma música libertária com conteúdo político, mas sem ser panfletário. Os censores nem percebiam”, diz Robertinho.

Depois de recorrer a patrocínios, Robertinho finalizou o trabalho, gravado de forma analógica para ter o clima do período em que as músicas foram feitas. A foto da capa, feita por Juvenal Pereira em 1972, também reflete a mesma atmosfera.

O produtor deixou fora de Vendedor de Sonhos clássicos como Canção da América, Maria, Maria e Nos Bailes da Vida. “Quis colocar outras músicas que não são tão óbvias, mas que têm uma importância artística inegável. Precisava dar uma luz para esse repertório mais revolucionário e escolhi como se eu fosse o Fernando”, explica.

Nos últimos anos de vida, o músico saía pouco de Belo Horizonte, dedicado a causas como a do direito autoral frente às novas plataformas que estavam surgindo. Para que o disco não ficasse com característica local, Robertinho contatou artistas de outras cidades para participar da homenagem.

Fernando chegou a escutar a faixa que conta com a participação de Milton, nome indispensável no projeto. Robertinho tinha pensado em duas músicas para a voz do principal parceiro do homenageado. Uma delas é Céu de Brasília, canção de Fernando e Toninho Horta que acabou não entrando na seleção final de Vendedor de Sonhos.

A outra é O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre, com letra de Fernando e música de Beto Guedes. Milton acabou gravando esta pelo título ser uma frase de Dom Pedro Casaldáliga, religioso defensor dos direitos humanos com quem ele fez a Missa dos Quilombos, em 1981.

Veveco, Panelas e Canelas, com Fernanda Takai, e Sentinela, cantada por Dori Caymmi, escolhido pelo próprio Fernando, foram as outras músicas que o compositor ouviu. Ele também sugeriu a amiga Joyce Moreno para interpretar Saudade dos Aviões da Panair. Lançada por Elis Regina, a música faz referência à companhia aérea extinta em 1965, após a cassação do certificado de operação da empresa pelo regime militar.

Mônica Salmaso e Roberta Sá assumiram o desafio de cantar músicas que Elis gravou. Elas ficaram, respectivamente, com O Que Foi Feito Devera e Ponta de Areia. A ideia desta canção surgiu quando Fernando se tornou repórter dos Diários Associados, no fim dos anos 1960, e fez uma reportagem para a revista O Cruzeiro sobre a derrocada econômica e social do fim da Estrada de Ferro Bahia e Minas em cidades por onde passava o extinto ramal ferroviário.

Os sócios-fundadores do Clube da Esquina também marcam presença em Vendedor de Sonhos. A ideia de Robertinho era que nenhum deles cantasse músicas próprias com letras de Fernando. Lô Borges participou de Durango Kid, com melodia de Toninho Horta. Este, por sua vez, fez uma releitura de Travessia.

San Vicente, clássico de Fernando e Milton, abre o disco com Beto Guedes. A faixa-título ficou com Flávio Venturini e Marina Machado.

Gerações mais recentes também têm vez no novo álbum. Música do lendário disco Clube da Esquina (1972), Saídas e Bandeiras ganha versão enérgica com a voz de Seu Jorge. Do mesmo álbum, Paisagem da Janela é interpretada por Samuel Rosa, vocalista do Skank.

Cantora que gravou várias músicas de Fernando e era próxima do compositor, Nana Caymmi iria cantar a densa Outubro. Por um problema de saúde, ela não participou do álbum. Para substituí-la, Robertinho convidou Nina Becker.

O produtor ficou impressionado com a participação de Nina em um disco de Bebeto Castilho, integrante do Tamba Trio. “Nina tem um lado pop, mas ela interpretando música brasileira é interessante”, analisa.

Vendedor de Sonhos também traz uma das últimas gravações de Vander Lee, morto em 2016. Robertinho, que produziu um disco do artista, Loa (2014), sugeriu que ele interpretasse Canoa, Canoa. “Achava que essa música tinha a cara do Vander. Gravamos dois ou três meses antes de ele morrer”, lembra o produtor, que planeja fazer um segundo volume de Vendedor de Sonhos.

Ele já tem em mente uma cantora para convidar. “Nana está melhor de saúde e já voltou a gravar. Gostaria muito que ela participasse do disco. Tem muita coisa bacana para revisitar e essa palavra libertária do Fernando é totalmente atual.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

4 jan 2020, às 00h00.
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