Cotação: ★★★

Em 2016, durante o início da corrida presidencial que levou Donald Trump à Casa Branca, um escândalo abalou os bastidores da política e do jornalismo dos Estados Unidos. A âncora Gretchen Carlson entrou com um processo judicial acusando o CEO e “criador” da Fox News de assédio sexual. Na esteira da apresentadora, outras mulheres da emissora fizeram o mesmo, numa onda que provocou o desligamento do chefão de um dos principais canais de noticiário 24h em rede nacional. Mais do que isso: com sede na Fórida, a Fox News tem estreitas ligações com os conservadores norte-americanos e é considerado um dos principais pilares de sustentação de propaganda política disfarçada de informação do partido Republicano. O que mesmo que, meses depois desse furdúncio, elegeria Donald Trump, em um resultado final que poucos ousariam prever durante o decorrer daquele ano todo.

O Escândalo trata da iminência e da concretização da queda de Roger Ailes (interpretado por John Lithgow), além de seu envolvimento com três profissionais da emissora: as apresentadoras Gretchen Carlson (Nicole Kidman, cheia de próteses faciais) e Megyn Kelly (Charlize Theron, idem) e a jovem produtora Kayla Pospisil (Margot Robbie, em uma personagem fictícia, mas que representa outros nomes reais do estafe da Fox News). As três pouco aparecem juntas em cena, embora o foco maior esteja não em Gretchen mas justamente em Megyn, que demora para se decidir quanto a contar a verdade, justamente por toda a pressão contrária exercida em sua vida dentro e fora da redação e dos estúdios.

Este é, justamente, o ponto alto do filme. Sem muitos contornos, o espectador acompanha aos poucos como a posição de poder exercida por homens brancos, milionários e héteros (e, no caso, com posições sociopolíticas de direita) pode ser extremamente manipuladora, descarada e asquerosa. Se a primeira perde o medo e parte para o ataque, a segunda acaba se enveredando na teia de intrigas e ameaças e a terceira, um tanto mais nova e não menos ambiciosa, acaba por aceitar as regras do jogo sujo mesmo que elas acabem lhe ferindo depois). Sem falar no fato também deste longa-metragem chegar aos cinemas logo após a campanha #MeToo e a semelhante derrocada de Harvey Weinstein, até então uns dos maiores executivos do cinema das últimas décadas.

Se a intenção é maravilhosa – afinal, o cinema é uma mídia de amplitude mundial para que casos como estes não se repitam mais – a forma de como dispor a história na tela acaba soando um tanto quanto errônea e imprecisa. Primeiro pela forma. O diretor Jay Roach e o roteirista Charles Randolph se batem para encaixar a narrativa no estilo “ficção com verniz de documentário”. Câmera na mão, nervosa. Personagens que quebram a quarta parede e ficam “pensando alto” ou dirigindo a palavra para a audiência. A velocidade e a agilidade que já ganharam notoriedade nas premiações anuais das temporadas mais recentes – vide os filmes criador por Adam Mackay como A Grande Virada e Vice – acabam sendo descartadas lá pela metade, em prol de uma direção mais convencional e um roteiro com menos ousadia. Em suma, entrega uma coisa de cara e se transforma em outra.

Outro ponto discutível no trabalho de Randolph é justamente a perspectiva de como a história é contada. Muita gente pode chiar pelo fato de nenhuma das três personagens femininas ser o foco principal da narrativa, já que o tema é bastante delicado e poderia ser mais e melhor explorado se partisse da intimidade de alguma delas. Contudo, pela escolha da abordagem como sendo algo vindo de fora da alçada de qualquer um dos envolvidos, torna-se tudo mais imparcial, sem falar na possibilidade do espectador presenciar alguns momentos a mais de Ailes que não sejam com Carlson, Kelly ou Pospisil.

O pior do filme, no entanto, não é na indecisão do formato e muito menos na narrativa um tanto menos incisiva quanto ao que o assunto pediria. O grande problema aqui é na mais completa omissão em relação à toda-poderosa da comunicação norte-americana. A história parece passar um grande em relação à Fox News, tanto no acobertamento das ações de Ailes até onde foi possível (isto é, quando tudo tornou-se público e a falta de uma ação incisiva interna poderia tudo bem pior, não apenas para a reputação da companhia e sua marca como também à campanha de Trump) quanto à sua mais completa permissividade editorial (sempre se ligando aos interesses dos republicanos, sobretudo o do hoje presidente dos EUA).

O Escândalo tem na mão um material que poderia render um filme bem melhor do que ele é de fato. As atuações das três protagonistas acaba salvando o resto de ficar no meio do caminho. Faltou mesmo uma boa dose de coragem e ousadia para cutucar mais a fundo a dolorosa ferida aberta pelo poder político, econômico e comunicacional. Tal qual foi feito nos tribunais contra Roger Ailes e Harvey Weinstein. Combinaria muito mais com o título original do filme, já que a expressão bombshell pode significar tanto uma surpresa estarrecedora, uma mulher demasiadamente atraente ou ainda uma granada de alto poder explosivo. Aí, sim, o efeito seria devastador.

O Escândalo (Bombshell, EUA/Canadá, 2019). Direção: Jay Roach. Roteiro: Charles Randolph. Com Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, Kate McKinnon, Liv Hewson, Connie Britton, John Lithgow, Malcolm McDowell. Paris Filmes. 109 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 16 de janeiro.

17 jan 2020, às 00h00.

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