*artigo cedido e escrito por Marcelo Nóbrega, RH Mais Admirado do Brasil, pelo Grupo Gestão RH, Personalidade de RH do Ano, pela Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (2017), Dirigente de RH Top of Mind, RH mais Influente da América Latina e Top Voice do LinkedIn (2018).

As transformações que estamos vivendo no mundo do trabalho não são fruto apenas da pandemia. Mesmo antes da COVID-19, algumas forças já vinham atuando para reconfigurá-lo. Coube ao vírus apenas acelerar/escancarar esse processo. Não se trata de uma necessidade (reação), mas de uma vontade coletiva de mudar o nosso vínculo com o trabalho (protagonismo).

Aprendemos a ser mais exigentes nas nossas relações de trabalho. E o modelo anterior está se esgotando rapidamente. Tic-tac. É claro que, num mundo tão desigual, esse movimento não seguirá as mesmas etapas ou ritmo para todos nós. Mas as bases para um admirável mundo novo – não o admirável mundo novo de Huxley – estão lançadas. Crachá, folha de ponto e holerite já podem ser catalogados como acervo de museu.

Policarreira

Que existem quatro gerações no mesmo ambiente de trabalho, já sabemos. Nossa expectativa de vida continua subindo, e isso quer dizer não apenas que vamos viver mais – a melhor parte da história – mas também que vamos trabalhar mais – ops, torço para que seja também uma parte boa para você! Esqueça sobre viver desde já da aposentadoria do governo. Não vai acontecer. Por necessidade ou prazer, todos nós teremos mais anos produtivos no CV. A pergunta é: como vamos nos posicionar diante da possibilidade ou oportunidade de ter 70 anos de vida produtiva? São muitas as reflexões.

Por exemplo: decidir aos 17 o que você vai estudar durante quatro ou seis anos iniciais e, depois, ter que trabalhar nisso pelo resto da vida… é muito cruel. Certamente, teremos duas, três ou múltiplas carreiras. Seremos policarreira. Faremos mais de um curso de nível superior (ou o seu equivalente). Não esperaremos a vida toda para gozar um sabático. E, provavelmente, tiraremos mais de um. Diversidade será incluir os 70+. E quanto aos profissionais que dedicam a vida toda à mesma empresa, eles serão tão raros quanto vaquitas marinhas. 

Gig Economy

Pesquisa da Upwork e Freelancers Union, de 2019, mostra que 35% da força de trabalho americana já vive na GIG Economy. O termo vem de ‘to do a gig’, e remete à apresentação de uma banda de música. As bandas vivem de gigs: cada dia em uma casa de show diferente. Trabalhadores viverão de projetos. Não vejo aí precarização, mas poder de escolha. Empresas e trabalhadores se unirão temporariamente para alavancar o que cada um tem de melhor.

Trabalharemos naquilo em que somos bons e gostamos de fazer. Alguém aí falou em propósito? Escala, jornada, dia de folga, fim de semana… Esquece isso. Teremos liberdade para escolher nossos horários e dias de labuta. E, claro, o dever de assumir as consequências dessas escolhas. Ah, e já que é sobre viver de projetos que estamos falando, você trabalhará para várias empresas simultaneamente. Você S.A. pro mundo todo.

Autonomia

A pesquisa da Upwork também mostra que 77% dos respondentes que vivem da GIG economy acharam mais fácil encontrar trabalho durante a pandemia. O processo de adesão ao experimento global involuntário de home office foi meio atrapalhado, mas depois de 10 meses já podemos dizer que desenvolvemos algumas boas práticas. O maior benefício é o amadurecimento da força de trabalho. A gente se deu conta de que é mais independente e autônomo do que jamais pensou.

Não dependemos tanto assim de um sobrenome corporativo para ser produtivos. No passado (recente), nos dirigíamos aos escritórios porque lá estavam equipamentos (computador, telefone, fax, mesa e cadeira) e outros recursos (salas de reunião, material de escritório, colegas). Hoje, tudo o que precisamos é portátil e tem custo razoavelmente acessível: um computador, um smartphone, wifi e o nosso cérebro. 

Isso muda o equilíbrio de forças entre contratante e contratado. Pessoas mais confiantes se sujeitarão menos a condições desiguais de troca (trabalho x capital). As relações de trabalho serão temporárias e efêmeras. Nós vamos escolher para quem trabalhar com mais tranquilidade. Vamos nos aliar com quem nos importa, com quem nos interessa e vice-versa. Isso alimenta a GIG economy, que alimenta a nossa autoconfiança e autonomia. Que a relação seja eterna enquanto dure, enquanto for boa para ambas as partes.

Work from Anywhere

A expressão home office não existe em inglês. Work from home é uma boa aproximação do nosso novo modelo, mas o que estamos, de fato, criando é o work from anywhere. Hein? E já não era assim? Em deslocamento, dentro de um Uber, que você chamou pelo app no seu smartphone, você já não fazia videoconferências, mandava mensagens pelo whatsapp, respondia e-mails, conferia o saldo bancário, fazia uma reserva para almoço naquele restaurante que o seu cliente adora? No escritório, em casa, no Uber, no Starbucks, na praia… não importa onde! Anywhere! E ninguém vai notar a diferença. 

Não é à toa que muita gente está mudando para o interior ou para a praia. Não é mais necessário estar na Avenida Paulista para trabalhar em uma grande empresa. O mundo é uma ervilha. Agora você pode trabalhar para qualquer empresa, em qualquer lugar do mundo. E qualquer empresa pode contratar qualquer profissional, em qualquer lugar do mundo. 

Tecnologia, dados e o fim do Waze

Estimativas mostram que hoje é 10 vezes mais barato escalar uma startup nos EUA, do que há apenas cinco anos. Isso porque as tecnologias da IoT, armazenamento na nuvem e IA ficaram muito mais baratas. A internet das coisas permite a coleta de uma quantidade absurda de dados, que podem ser armazenados de forma muito barata na nuvem e processados por algoritmos muito mais rápidos – e, por vezes, também mais ´inteligentes´ do que nós, humanos. Isso está permitindo o surgimento de dezenas de empreendedores de garagem que estão disruptando várias indústrias.

A IoT é o fim do Waze! E o berço de outros serviços disruptivos. Nossos automóveis conversarão e, entre eles, decidirão as melhores rotas economizando tempo, combustível, motor. E sem motoristas ou colisões. Um dia, sua geladeira irá ao supermercado por você.

Veja que a tecnologia mais barata e mais amigável acelera e fortalece as tendências anteriores.

E com dados coletados por sistemas e sensores em todos os lugares, dependeremos menos da nossa experiência ou intuição. Nossas decisões serão mais racionais, lógicas e científicas.

Bem-estar e saúde

Alguma dúvida de que, de agora em diante, bem-estar e saúde estarão na agenda das empresas? Para o bem e para o mal, a pandemia está provocando mudanças de hábitos. Sim, tudo que muda causa stress. A necessidade de distanciamento social também frustrou expectativas, adiou planos. Há morte, medo e desesperança no ar. Cada um lida com tudo isso à sua maneira. Preparado ou não. As consequências emocionais deste momento desafiador ainda são desconhecidas e nos afetarão, em maior ou menor grau, por um bom tempo. E isso terá óbvios reflexos dentro das empresas, que passarão a estar mais alertas ao “lado B” dos colaboradores.

E as consequências para o RH?

Todas! Profissionais de RH e líderes organizacionais estão diante de um desafio diferente. Tudo está acontecendo muito mais rapidamente. Ao mesmo tempo. E a mudança vem de dentro das organizações. Saúde mental e emocional, cultura corporativa, papel da liderança, employer branding, reestruturações, novas relações de trabalho, aprendizado constante e trabalho remoto, gestão da mudança, redesenho organizacional, novas competências etc… Todas essas tendências tocam, de alguma forma, o escopo de trabalho de líderes organizacionais e profissionais de RH. Que aproveitem para brilhar e ocupar, com todo esse aprendizado, o novo espaço. 

19 jan 2021, às 16h11. Atualizado em: 5 fev 2021 às 16h49.
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