Por Nigel Hunt e Jonathan Saul e Marcelo Teixeira

LONDRES (Reuters) – A geada mais devastadora em décadas no Brasil, o maior produtor de café, e os custos de frete em máximas históricas devem elevar os preços no varejo a patamares não vistos em vários anos.

Os preços do café aumentarão ainda mais o custo de alimentos, seguindo altas em outros itens como pão, óleos vegetais e açúcar.

Um índice da agência de alimentos das Nações Unidas mostra um aumento anual de 31%, em um momento em que muitos consumidores estão com dificuldades financeiras devido à pandemia.

A pior onda de frio no Brasil desde 1994 elevou o preço dos grãos de café verde ao nível mais alto em quase sete anos, o que pode ser repassado aos consumidores quando estes forem comprar grãos torrados ou moídos nos supermercados.

O café arábica na bolsa norte-americana ICE Futures dobrou de preço nos últimos 12 meses, com as lavouras no Brasil murchando após a pior estiagem em 91 anos.

A extensão dos danos ainda está sendo avaliada, mas em áreas onde os cafeeiros não sobreviveram pode levar anos para a produção se recuperar totalmente.

Problemas no transporte, causados em parte por um aumento na demanda por bens de consumo e pela escassez de contêineres para navios –em momento em que a pandemia afeta os sistemas logísticos–, levaram a um salto no custo do frete para os principais países consumidores de café na América do Norte e na Europa.

Os traders acreditam que, embora os consumidores em breve tenham que pagar mais para comprar café nos supermercados, o custo de um “latte” ou “Americano” nas grandes redes de café pode não acompanhar a alta no curto prazo.

Dados do governo dos EUA mostram que os preços médios do café moído subiram a um pico de 4,75 dólares por libra em abril, alta de 8,1% em relação ao ano anterior e o nível mais alto desde julho de 2015, à medida que a seca exercia um impacto inicial sobre as safras do Brasil.

O aumento nos preços do café arábica na bolsa de valores ICE Futures acelerou rapidamente após a recente geada e os preços de varejo parecem certamente subir em resposta.

No Brasil, o segundo maior consumidor do mundo, atrás apenas dos EUA, os preços do café torrado e moído já tinham aumentado 3,4% em junho, de acordo com o IBGE.

Eles devem subir ainda mais. Após as geadas de julho, a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) pediu aos torrefadores que analisem seus custos e ajustem os preços de acordo, para preservar a sustentabilidade de seus negócios.

A Abic estima que os preços do café verde para torrefadores no Brasil subiram cerca de 80% de dezembro do ano passado até o final de julho.

“Algumas empresas, incluindo líderes de mercado, já anunciaram aumentos de preços”, disse a Abic em uma nota a torrefadoras associadas, vista pela Reuters.

A JDE Peet’s, cujas marcas incluem Douwe Egberts, Kenco e Peet’s, observou que houve um forte aumento nos preços de ingredientes, frete e outros custos nos últimos 12 meses.

“Historicamente, flutuações significativas nos preços do café verde têm se refletido no mercado (preços de varejo) e esperamos que esse precedente continue”, disse a empresa.

CUSTOS DE TRANSPORTE

O aumento dos custos de transporte, junto à escassez de contêineres, pode ter um papel importante no aumento dos preços. O café é normalmente transportado em contêineres, ao contrário de commodities como grãos, que são transportados em graneleiros.

Muitas empresas de café acham mais fácil suportar um aumento no custo dos grãos, pelo menos no curto prazo, do que o crescente gasto para exportar, pois muitas vezes estes fixam o preço dos grãos com vários meses de antecedência.

“Temos cobertura para uma boa porcentagem de nossas necessidades de café para o resto deste ano e até mesmo parte do ano que vem, então não estou preocupado com isso a curto prazo”, disse o presidente-executivo da Nestlé, Mark Schneider, durante uma teleconferência recente, acrescentando que não foi o mesmo com os custos de transporte. Carlos Santana, operador-chefe de café da Eisa-Interagrícola, uma unidade da Ecom Trading, disse ser muito desafiador transportar café, principalmente nas Américas. “Quase não é econômico usar essa rota agora. Os portos dos EUA estão lotados, as companhias marítimas não querem levar mais cargas para lá, então cobram mais. Os preços estão mais de três vezes mais altos do que antes da pandemia”, disse ele. Thiago Cazarini, corretor de café em Minas Gerais, disse que mesmo pagando preços muito mais altos para garantir um contêiner, os exportadores estão tendo problemas. Segundo ele, o problema é generalizado e afeta a todos. “O Brasil está uma bagunça logística agora. Tenho cafés que deveriam chegar há dois meses e ainda não os recebi”, disse um importador de café dos EUA.

Julian Thomas, diretor administrativo da Maersk Brasil, parte da maior empresa de transporte de contêineres do mundo, disse que “os atuais gargalos (causados pelas) medidas para contenção da pandemia e a forte demanda também estão afetando as cadeias de abastecimento dentro e fora do Brasil.” “Ainda estamos atendendo nossos clientes e podemos atender a crescente demanda deles”, disse ele à Reuters. A transportadora de contêineres alemã Hapag Lloyd acrescentou que houve atrasos no envio de mercadorias, “mas não apenas no café”.

O Brasil responde por cerca de 30% das exportações mundiais e sua temporada de alta nos embarques já começou.

(Reportagem adicional de Maytaal Angel em Londres e Ana Mano em São Paulo)

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6 ago 2021, às 16h25. Atualizado às 16h30.
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